à Luísa Ribeiro
- A minha filha tem uma doença irremediável. Sei o que isto quer dizer, por isso digo irremediável.
- Mas eu de momento não tenho nenhuma doença irremediável. Estou sentada e olho para as mãos que escrevinham sem parar.
- Continue, por favor...
- Na minha filha a doença operou uma espécie de iluminação mística. Uma necessidade de se isentar da derrota física e moral.
- Eu percebo, eu morro. Mas eu não sou o seu ursinho de peluche. E estou a pensar fugir de casa…
- Eu não me queixo. Por norma, não me queixo. A pequenina não tem culpa. Mas por vezes penso, penso como seria a minha filha se habitasse um daqueles edifícios em que cada sombra no portão é uma esperança e um medo. Penso, como seria a minha filha se...
- Reconheceria que não tem tempo para a minha saúde? Que o seu declínio iluminado dá cabo da minha vivacidade? - Estou a ser egoísta? - Mas não devo mentir, não é assim? O quadro à minha frente é um campo de trigo feliz, com uma ceifeira mondando felicidade; atrás os fardos acumulam-se. Podia perder-me em interpretações...
- Devo dizer tudo, tudo, o que nunca disse sequer a mim própria, não é?
- Só assim podemos continuar …
- … que eu quero fugir de casa? FUGIR. Que um dia eu vou fugir de casa e voltar a pintar as unhas? - Isto não se diz, pois não? - Seutor, que imagem está a fazer de mim?
- O que irá ser de mim?
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