Do fundo da sala, Hélio administra a porta de alumínio. Do lado de fora, à chuva, a fila de putos. Um dos mais velhos, talvez dezassete, é o primeiro da fila, cabelo curto molhado, água escorrendo pelo casaco de couro e zippers, as pernas claras rasgadas por tiras de ganga preta, fivela cinza prata, correntes a rebentarem dos bolsos.
Graziela Mestre desenha os catetos e a hipotenusa, usa uma régua de quadro de madeira e fala de Pitágoras. Graziela Mestre quer a atenção da sala e diz de favas, de música, de potes de barro, enquanto evita olhar o ajuntamento que alastra pela banda de coberto numa algazarra imperturbada pela aula. De passagem, fixa os olhos em Hélio. Nesse momento, ouve-se o som estridente da campainha. Hélio soergue-se, olhos nos olhos negros da professora, e a sua mão direita, rápida como uma ponta e mola, bate um grosso maço de notas no tampo da carteira. - Quanto tem ao fim do mês, Professora?
Abre bruscamente a porta de alumínio envidraçada e fecha-a, sem realmente a bater. Parado no degrau por um momento, Hélio parece pensar. Graziela Mestre fica a olhar enquanto os putos rodeando Hélio se aproximam e se afastam, cada um ao seu caminho de chuva. Do lado de lá da vidraça, Hélio volta-lhe os olhos, talvez por delicadeza. Ali, torres aLx, ninguém bufa e a coragem pode ser a última fraqueza.
Enquanto fuma à porta do estabelecimento, sob chuva cerrada, Graziela Mestre evita pensar, mas a imagem de um leão desenha-se-lhe no espírito .
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