segunda-feira

Jericó


Uma vez, Manuel Maria presenciara o delírio de um homem, elefante velho.
O homem começava a descer a avenida cheia de térmitas, as mãos na cabeça e sobre os ouvidos, e desata a berrar desalmado. Retumbante, chegava à praça, garrafa no bolso de trás da calça, as mãos não cessam de tremer, dá duas voltas e enceta já percurso inverso, rua acima, a vociferar assustadoramente - um gritar intervalado apenas pelos surtos de ar.
A cidade é figura em minguante, a investir em sentido contrário como pode. O ruído da cidade a solver-se num silêncio de arrepio. Os automóveis a deslizar numa tristeza parada porque o homem berra, sempre galgando a rua e a berrar, e o grito é medonho, virtualmente contínuo, e os homens baixam os olhos para o interior dos casacos, as mulheres nos tecidos, e, curvando-se, cedem, terrificados - o elefante, desembestado, a face absorvida no fundo da rua, berrava por eles.

Alguém informou do café na outra rua. Munida de bastões e de redes, a polícia carrega no galope. Enquanto presencia os cavalos da polícia constrangerem o elefante velho, Manuel Maria não pôde evitar pensar em Jericó.

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