- Rua do H., por favor?
- A próxima à direita.
Alberto vira à direita e o laboratório enfia-se-lhe olhos adentro. Está desempregado há dois meses numa cidade estranha e traz o anúncio consigo. Pára a olhar a ampla porta da entrada. Duas manchas gotejam-lhe sob as axilas e sente molhado acima do cinto. Entra. As enfermeiras têm olhos que se colam nos dele e se afastam depois em trajectórias fixas. Cheira a éter e vagamente a sopa de hortaliça.
A seta aponta o guichet. Remexe nos bolsos, puxa o anúncio da algibeira, desdobra-o cuidadosamente e pousa-o no balcão. Fora pelo anúncio que Alberto viera e elas estavam ali também para isso. Que sim, faz a enfermeira, e dá-lhe o registo a preencher. Alberto sente o rosto hirto a descontrair-se-lhe. A enfermeira enverga a bata branca e os olhos azuis como se fossem intercambiáveis e ele, sem saber porquê, sente-se aliviado.
Seis ou sete folhas preenchidas e rubricadas, a assinatura final. Entrega-lho com um gesto seguro. Ela revê tudo e onde Alberto escreveu Branco corrige, não risca, escreve Moreno por cima, com força, depois volta a rever, agora mais rapidamente, e carimba. – Venha comigo, diz e apesar dos seus olhos azuis tem claramente sotaque, Alberto não consegue perceber se indiano se latino. Entram por outra porta, incapaz de mexer os lábios Alberto vê a enfermeira abrir a cápsula de plástico e a seringa gorda a ficar vermelha a pouco e pouco, sente afrouxar o laço e o cheiro da mão da enfermeira, que estende o algodão humedecido e pressiona de leve, colore-lhe as narinas.
- Pronto? Alberto tem a sensação de que a cara se lhe enrija quando diz que sim, com o dedo calcando o algodão. Mas logo quase que ri; só mesmo ali, onde as mulheres são quase ruivas de tão alvas, ele podia ser achado por moreno. E, no entanto, não ri, o seu silêncio recente esconde-se demasiado no seu sorriso.
No fundo do corredor, a casa de banho é pequena. As três paredes que enchem a sua visão são pintadas de um pastel, desmaiado e nauseante cortado por uma acanhada barra de azulejos amarelados. Um rolo de papel sobre o autoclismo, um air-freshener, Mountain Pine, um pequeno sabão verde e um cesto de papéis, bastante cheio. Não há toalha, só o papel. A barra amarela rodeia-o à altura dos olhos. Por cima um espelho demasiado pequeno para ser indiscreto, mais abaixo algumas revistas pornográficas sobre a napa vermelha do banco. A porta fecha-se, Alberto pega numa das revistas.
A maldita sinalização de emergência está avariada e pisca impaciente, à volta as sombras avivam-se e metem-se-lhe pelos olhos semicerrados, a piscar para ele, que não consegue abstrair-se. Puxa outra revista, depois outra. Tinha que estar avariada, a porcaria da placa. Ouve passos, depois deixa de os ouvir na distância, a retrete range. Quantos antes dele ali se teriam sentado obedientemente, brandindo a acanhada retrete? Arranja-se, à procura de melhor apoio. Vem-lhe à memória o gemer nocturno das camas de ferro pintado, de aspecto ascético no chão vazio, a chama, como que movida por um estranho vento que soprasse de baixo para cima, dos candeeiros a petróleo a avivar as sombras de um quarto esconso, num segundo andar. Onde? Agora que importa? Incapaz, ouve de novo passos, as vozes de duas enfermeiras, depois nada, tem a sensação que toda a cabeça lhe diminuiu até ao tamanho de uma cabeça de alfinete.
Por momentos julgou que ia vomitar. Colocou as revistas no banco e deteve-se a olhar estupidamente para as mãos que tinha abandonadas nos joelhos, imobilizado. Ficou assim durante muito tempo; o assunto, esse, virava e revirava no seu pensamento.
Súbito, como se quase nem notasse o que estava a acontecer-lhe, ergue-se, aperta mecanicamente o cinto, ajeita o casaco e encostando com firmeza os braços ao corpo percorre em poucos segundos o corredor que o separa do balcão. Detém-se a metro e meio de distância, em frente ao relógio central, a observar o ponteiro pequeno avançando lenta e aos solavancos para as onze. Quase quarenta e cinco minutos! Sente o rosto que ruboriza. A enfermeira mira-o, depois ao receptáculo vazio e polida sorri enquanto veste a luva. – Lamento. O frasco acaba por desaparecer no interior do balcão, nas mãos enluvadas de uma segunda enfermeira muito magra, seca e de olhos tão profundamente afundados nas órbitas quanto severos. Já cá fora, Alberto encosta-se ao muro e acende um cigarro, deitara fora vergonhosamente 40 euros, mais 40 euros por sessão, mas não há ninguém para lho recriminar. Só um anúncio amachucado na algibeira e um ruído cavo no estômago.