Voltava para casa depois de um dia particularmente penoso. Era sexta-feira, segunda era feriado, mas a perspectiva do fim-de-semana prolongado não o alegrava por aí além. O rádio tocava o primeiro movimento do Marchenbilder de Schumann e o carro deslizava embalado na música. Sempre fora um funcionário correcto e irrepreensível, ninguém tinha nada a apontar-lhe. Há trinta anos que ali trabalhava e há dez que era gerente da loja. O carro iluminou uma portada cor de salmão. Entrou, pôs o casaco no cabide e bateu a porta.
- Fui despedido, Mó. Despediram-me depois de trinta anos.
Mó segurou-lhe as mãos e fitou-o, entorpecida. Depois desviou os olhos e desapareceu na cozinha para chorar sozinha. Ao fim de vinte anos de casamento tinham aprendido a não manifestar sentimentos um perante o outro. Ele, contra todas as regras, desfechou um pontapé na porta da cozinha. - Foi um erro vir para casa, Mó.
Mó que cortava cebola, olhou-o através das lágrimas. Vens jantar, ainda quis perguntar, mas ele já saíra e o bolbo agarrava-a pelas lágrimas.
Ligou o carro e o n.3 da Consolação de Liszt irrompeu no silêncio. Depois o carro arrancou a grande velocidade.
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