quarta-feira

Semelhança.


- Eu NÃO SOU o meu pai!
- Não é normal, Álvaro, reagires assim quando se fala do teu pai, tens quarenta anos, porra. Ainda não mataste o teu pai?
- Simplesmente não sabes do que falas. Eu NÃO SOU o meu pai, de todo, de todo. Que sabes tu dele? Se eu fosse o meu pai eles não eram o que são!
- Álvaro…
- … é sempre isto, sempre que intervenho na educação dos meus filhos, porra, lá sou o meu PAI…
O pai de Álvaro fora um Ogre temível que calmamente se transfigurara na prudência amante e frágil de um avô de que os netos idolatravam o passado guerreiro. Álvaro não tinha um passado que pudesse exibir. Nem aí semelhava a seu pai e a sua espada da farda número um. O seu passado era pouco diferente do seu presente e, naquilo em que a diferença se impunha, nada havia de contável.
- Álvaro…
- Deixa, não quero discutir.
Foi a passo lento que se dirigiu ao escritório e fechou a porta.
Lá dentro, tirou a espada da farda número um da bainha. O sangue correu dos pulsos enquanto ao espelho, lâmina em riste, compunha a última imagem.
Não, definitivamente, não era o seu pai.

terça-feira

A mulher bonita e infeliz



Era uma mulher bonita e infeliz. O marido adoecera, tinha ela cerca de trinta anos. A sua inquieta sensibilidade, o marido estava longe de a prever. Amava-a, talvez por hábito, porque acolhesse de novo o amor como se recebe um velho amigo. Mas perdera demasiado tempo. Um tempo que a ela coubera recolher como rosas no colo de um vestido que ameaçava puir. Nunca, em momento algum, ela decidiu traí-lo. A questão nem se pusera, traí-lo em quê, exactamente? Ele era o velho amigo a quem não podemos contar quanto mudamos, mas era o seu velho amigo de sempre. Que lhe iria ela contar? Como mudara?
A mulher bonita e infeliz aproxima-se-lhe e agarra-se-lhe de leve ao pescoço.
- Vou-me deitar.
O velho amigo corresponde e recosta-se melhor no velho sofá.
Vemo-lo abrir o frigorífico e tirar uma cerveja, pôr futebol no ecrã. Podemos sentar-nos. O jogo está mau. Podemos vê-lo ir outra vez à cozinha. Abrir outra cerveja.
- Ela trai-me - diz o velho amigo.

domingo

Providência



Bim conheceu Lim que conhecia Tim e, sem nada saber de especial, deu de repente consigo.
Era um daqueles encontros milagrosos em que ninguém espera encontrar ninguém e toda a gente se encontra. Lim almoçava com Tim. Uma coisa puxa a outra, lá estava Bim, recém encontrado, a conhecer um casal que, sem que então pudesse imaginar como, iria concorrer para o seu relativo desafogo económico.
Tudo começava com um curso de canto na Cornualha. Pim e Dim decifravam, o ar da Cornualha era procurado para certos cursos de especialização de voz. Bim pensa que sim que o ar da Cornualha deve ser interessantíssimo e põe-se a imaginar o que será um ar interessante, e que isso se coadunava com os ventos da Cornualha.
Antes Bim calcorreara L., rasgando porta sim, porta sim, perguntando por trabalho. Trabalhara num bi., de que fugiu ao segundo dia sem receber. Numa ph. em H.. No pp., em LS.. Fizera de ac., algo que só podia existir em L., depois de oc. e de dp.. - Agora, iria ser hd.. Sorriu. Há quanto tempo estava ele em L.? - Há só quatro meses?
- A Dim deixou as suas à Vim. Queres ficar com as minhas por uns meses? - Porque não? - pensou Bim. Começaria na semana seguinte. Fez, sobre o mapa de L., um mapa de onde iria estar entre duas e quatro horas, todos os dias, durante as semanas seguintes.
Apresentado aos instrumentos de profissão, Bim revela-se um estimado operacional. Aprende rápido. Torna-se exímio em descobrir o par perdido de qualquer tipo de sapato, mesmo quando se ocultaram na gaveta de baixo de um velho frigorifico. Ouve livros gravados de James e da Stein enquanto passa as camisas brancas. De hora a hora fuma um Ducados.
Uma noite, uma noite em que Bim por não pregar olho descobria que todas as coisas em L. haviam sido edificadas para sua reflexão, chegava-lhe a notícia que iria mudar o que até aí tinha como o seu eterno presente. Pim morria. Bim petrificou. Pim fora colhido pelo vento nas falésias da Cornualha. Em termos imediatos, ele herdara do Pim. Sim. Alguém que conhecera há duas semanas e que resolvera entretanto morrer.
Entrou, o letreiro dizia: escola de cabeleireiros. Bim sentou-se onde o mandaram. Apenas ficou surpreendido quando lhe perguntaram como queria o corte. Julgara que ser de borla implicava algum modo de sujeição aos aprendizes.
Nessa noite, Bim foi jantar fora sozinho e pediu o tinto mais caro.

Torres aLx






Todos os dias, pelas onze, o Cicla sobe na velha bicicleta o que irá descer, pelo menos uma vez, em regra perto das sete, com mais ou menos dia. O Cicla tem uma só perna desde sempre e quase não fala, antes teria outro nome.

Não cura de mágoas, Torres aLx, profundo da rampinha do Aleixo, com seu magote de estropiados e arrasados e o seu trânsito de táxis, pais com filhos, mulheres esqueleto, olhos de cherne, ocasionais, polícia, nativos com pequenos índios pela mão.

A falta de uma perna é uma contrariedade que se pode robustecer. Desespero é o fim do bairro. Mas poucos acreditam durar até lá.

sexta-feira

Padrões


«Em todas as situações, excepto as mais quotidianas, as mais neutras, há uma pressão que se exerce sobre nós, que nos dita a forma como devemos conduzir-nos, aquilo que devemos sentir. E se examinarmos bem o fenómeno, verificamos, não raras vezes, que esses papéis nos são atribuídos por romances, filmes ou peças de teatro que vimos há muito tempo.
Quando somos realmente confrontados com situações invulgares, a primeira coisa a que nos agarramos são esses padrões sentimentais livrescos.»

Lars Gustafsson, A Morte de um Apicultor

quinta-feira

Uma história de Natal


Não soasse o telefone, ninguém se lembraria. A rapariga fora contratada para a noite. Cuidava-do-casal-que-já-devia-ter-morrido-mas-não-morria. Era a hora da caminha. Fazer ó-ó não era muito diferente do que eles faziam já, mas a rapariga não teve forças. Sim. O velho resistira. Inteiriçara-se, como fazia perante estranhos, e acabara tombado entre o sofá e a cadeira de rodas, muito, muito antes do quarto, gemendo, e incapaz de se mover. A rapariga-aflita pegou no telefone que repicou na orelha da festa.
- O pai caiu, a rapariga não consegue... Vou ter que lá ir.
- Eu vou contigo – apesar da resistência fui.
- Sabe quem está aqui? O Alberto, lembra-se do Alberto? … sim… o irmão da Néné, não se lembra? Ele sabia que não.
Alberto, pelo contrário, percebera o que ali havia de um estranho reconhecimento que jamais eclodiria em palavras. Ele era mais uma névoa, mas, sim, ele estava lá.
- Ela sabia…
- Já de pouco dão fé. Por vezes, não me reconhecem.
O filho agarra o pai e puxa-o, os braços em volta das costelas: parece segurar um saco de batatas demasiado a resvalar por todos os lados. Faz-lhe uma festa. - Posso?, pergunta, e olha-o enquanto o eleva até à cadeira, depois da cadeira para cama.
O quarto, duas camas com sistema elevatório atrás e à frente, é branco cal e cheira a hospital, não a extrema idade. O odor da velhice é outro. Olho a rapariga que esfrega nervosamente as mãos. Olho-a da face aos pés e de novo, lentamente, percorro-a no sentido oposto, enquanto se dobra, atrapalhada, falhando ajudar. Ela está demasiado concentrada para poder perceber a indecência do meu olhar na casa da morte.
É a vez da mãe. A mãe fala, a mãe tenta lembrar e tem o cabelo pálido e ele pousa-a na sua cama, beija-a na testa, diz piadas que ela não entende, ela, para ali, paralela ao pai, lado a lado, ambos embrulhados como mortos imaturos.
- Vi o modo como a mão do teu pai pousou na tua cara.
- Viste o que sobra de um pai. Eu vira uma ânsia onde ele tinha que ver um corpo incontrolado, nunca o pai. Ia dizer-se-lhe o quê?
- A tua mãe reconheceu-me, só não conseguiu situar-me.
- Talvez.
Voltámos à festa. Ele guiava, sem abrir a boca.
Eu pensava em voltar atrás; talvez conhecer melhor a rapariga.


Um dia, passeando o Sr. K. por aquelas bandas, deu com um artista estirado na rua, abandonado e sem coleiro. Naturalmente, tipo o artista é o melhor amigo do Sr. K., atou-o pela perna esquerda a um cordel e arrastou-o até casa. Na parede, à esquerda, saindo do hall e entrando na sala, uma verdadeira galeria de arte pesava sobre o rodapé. O artista passou dobrado. Chegado à cozinha e varanda o Sr. K. pousou o artista no chão. O artista lentamente retomou a sua costumeira agonia até que, passados alguns meses de um trabalho insano, morreu. O Sr. K., olhando os novos quadros na parede, carpiu com o crocodilo. Depois foi com este à caça de perdizes, Miguel Bombarda acima.

Moral da história: Se as perdizes são caça fácil, o Sr. K. anda sempre com um cordel no bolso.

terça-feira

Theo



Gogh, os olhos postos na pistola por terra, sangrava desalmadamente.
Devia tê-la pintado antes de a usar, pensou; o quadro despontava deslumbrante na sua cabeça, o que por um momento o espertou na rara dormência que o atingira.
- Ah, exclamou o enlevado Gogh. Depois expirou entre torvelinhos de luz.
Felizmente, Theo apontou aquele ‘Ah’.
Quem tem um irmão como Theo pode morrer descansado.

domingo

Com sapatos o mundo era destituído de erro


A charrete, o equino destituído de serventia, a mulher e os seis filhos, a alma, o trabalho, tudo ficava rapidamente para trás. O Sr. A., de pijama old fashion às riscas verticais azul claro, azul mais claro e branco parecia feito de pasta de dentes.
Quando o cavalete abrandou o passo num campo de trevo, as meias vermelhas sobressaíram, felpudas, em lã grossa e albergueira, no verde do prado. Nessa altura, apercebendo-se de que estava de meias, o Sr. A. revirou-se e lançou a montaria na direcção de que proviera. Ao invertido galope da besta avistava já o trabalho, a alma, depois os seis filhos por ordem crescente e, finalmente, a mulher, o cavalo inutilizado e a charrete.
O cavalete estancava agora no justo ponto de que partira. O Sr. A. subiu a charrete, calçou e apertou os sapatos castanhos e desceu.
De sapatos sobre as meias vermelhas, o Sr. A. sentiu que o mundo voltara ao normal, beijou a mulher e cada um dos seis filhos e picou o cavalete que largou num galope desabrido.

Com sapatos o mundo era destituído de erro.

sábado

Um dia...


Um dia, talvez de primavera, as primeiras flores largaram do pé e rasgaram o ar.
Nada havia de grave em tão delicado espectáculo.
E nada teria sido feito, não ocorresse as flores aos milhares, desatarem a roçar as abelhas para nelas depositarem o pólen.

terça-feira

De facto...




«De facto, o que escrevi não contém, em particular, nenhuma pretensão a novidade; e assim não indico quaisquer fontes porque me é indiferente se o que pensei já foi pensado por outrem antes de mim.»
Ludwig Wittgenstein, Valor e Cultura

Perniciosa desinformação



A surpresa de Karamallah não era fingida; estava verdadeiramente surpreendido com a persistência e a amplidão de um pensamento inepto que julgava incapaz de florescer em terras ensolaradas. Assim, a velha ideia emitida por ilustres pensadores originários das regiões frias, segundo a qual o mundo seria complicado e absurdo, tinha atravessado os oceanos e as fronteiras para vir aninhar-se no cérebro de um abominável escroque das margens do Nilo. Esta vilania consistente em negar a simplicidade edénica do mundo servia os interesses dos poderosos, posto que justificava todas as dificuldades sofridas pelas massas ignorantes. Karamallah erguia-se com toda a força do seu amor pela vida contra esta perniciosa desinformação.


Albert Cossery, As cores da infâmia
escritor egípcio

segunda-feira

Um dia perfeitamente normal



- Dá-me um beijo - disse ele. Ela deu.
- Olha para mim - disse ele. Ela olhou.
- Diz que me amas. Ela disse que sim e poisou os olhos na janela.
Depois ela foi buscar as cervejas e ele continuou a comer as crianças.

sábado

Morte súbita



Um dia um tipo acorda e quer dar uma foda. Vê a vizinha e quer dar uma foda. No trabalho olha as estagiárias e quer dar uma foda. Uma doente diz-lhe que quer dar uma foda, mas ele sabe que foi um devaneio súbito e preenche tranquilamente os papéis. À noite quer dar uma foda, a mulher dorme e ele quer dar uma foda. Ele que nunca liga o bicho, cede agora ao bafo radiante da televisão e engole o xanax com a bebida. A mulher está de enxaqueca nocturna há anos e o tipo prepara a terceira bebida enquanto despe o roupão e põe o casaco e pega nas chaves.
Os faróis do carro mostram mulheres que dão fodas. Abre a porta. Nem tem de voltar a olhar para ela. Uma foda solitária é ainda assim uma foda. Fecha os olhos. Quer cavalgar uma foda, não a quer ver. Há uma macieza na pele inesperada, sente-a.
Quando abre os olhos vê um rosto exangue doer-se, uns olhos como gelo voltarem-se-lhe, depois um tremor e um frio que o arrepiam. Larga-a sobressaltado só para a ver tombar. O corpo de uma mulher nos seus quarenta jazia ali, a seu lado, exibindo uma pele crua e desconhecida e uma bolsinha preta de lantejoulas de usar ao ombro trilhada sob as pernas metidas em meias de nylon descidas pelo joelho. A saia, muito curta, levantava pelas costas.
Ainda lhe pegou o pulso. Não havia nada a fazer. Abriu a porta e empurrou o corpo que rolou para a valeta. Subiu as calças. Ficou algum tempo imóvel, depois ligou os faróis.
No dia seguinte não comprou o jornal.

sexta-feira

Confiança



- As crianças acreditam muito.
- São a própria privação de certeza.

Acreditar é mais fundamental do que não acreditar, pensou o macaquinho. É como confiar e não confiar.

quinta-feira

Compostagem


Os dias que já passaram pelo meu corpo envelhecem-me um montículo. Aqueles que ainda não passaram envelhecem-me outro montículo de não sei quantos anos, mais à frente. A diferença é pequena entre os montículos se notarmos que dos anos que sei que conta o primeiro, dos primeiros, pouco ou nada sei.
O primeiro montículo fez-se compostagem - o que se compreende, sempre assiste o prosperar dos dias presentes. O segundo, atrevo, composta ainda. O perfeito tende à compostagem – é uma lei da vida.

Em alguns casos, parece comprovado, a compostagem fica mal feita e resta uma memória post mortem, uma memória basicamente do tacto – o que poderá ajudar a deslindar o apego de certos corpos, digamos mal falecidos, às coisas mais materiais, como casas, televisões e, sobretudo, bonecas.

terça-feira

A cigarra e a formiga



Dando em reflectir na história da cigarra e da formiga, o macaquinho finalmente percebeu: uma parte significativa das cigarras acabava por casar com a formiga.

segunda-feira

Sair para comprar tabaco e trazer consigo um coelho a mais...



Chove. António, de samarra escura bem apertada submete-se ao manto de chuva o mais dobrado sobre si que pode, como um gato preto. O café, a meros seiscentos metros, é a demasiada chuva de distância. E, no entanto, nem o mar vermelho o travaria. O meio do dia ainda não soou e ele já está sem tabaco há quase uma hora.

Acabara a samarra do António de tomar aquela difícil forma de quasi-esquadro-quasi-rompendo-as-bátegas quando todo aquele trabalho era interrompido por uma voz, à direita sob um alpendre, que o obrigara a pôr o nariz de fora e, acompanhando o nariz, um par de olhos semicerrados.
- Bom dia – disse o coelho.
- Bom dia – disse o António, e persistiu tentando rasgar, tesourada a tesourada, aquele imenso manto de chuva. De repente estancou, olhou para traz e disse: - … como quem diz!, e continuou.
O Coelho sorriu e repetiu, ‘como quem diz!’.
Mas o António já voltara à carapaça.‘Um bom dia’, foi repetindo o António, e depois, ‘como quem diz’. Como quem diz o quê?, perguntou-se o António. Como quem diz bom dia, naturalmente, quando, naturalmente, não está um bom dia.
Como quem fala por falar. Em suma, como quem fala. Como quem diz alguma coisa em vez de passar calado. A tagarelice num sentido bem antropóide - concluiu o António- era o princípio da cortesia.
-Bom dia, Coelho – disse, já de regresso, o António, agora em pose mais retesada do que a anteriormente ensaiada, decididamente mais aerodinâmica.
- Como quem diz! – sorriu o Coelho e repetiu: - Como quem diz!

Falar é uma relação de cortesia que temos com o mundo, sem que daqui se possa de modo algum inferir qualquer eventual cortesia do mundo para com o antropóide- pensou o António. E no entanto, aquele fora certamente um coelho cortês.

domingo

Tio



- Tio, porque é que não é bonito fazer cócegas no rabo e no pipi dos senhores e das senhoras?
O macaquinho pensou. Depois levou a taça aos lábios e limitou-se a exclamar, talvez com excessiva displicência – Ide e perguntai à macaca vossa mãe.

sábado

Auto Retrato



Fumar mata. Beber mata. Respirar mata e não respirar também. Estar vivo mata, é mais do que certo. Mas o Sr. T.ainda estava vivo, qualquer coisa que só deveria ser do conhecimento de alguns e logo esquecida.

sexta-feira

Casos



‘Entre os homens, na maioria dos casos, a inactividade significa torpor, e a actividade, loucura’ – disse Epicuro.
O Sr. T. pousou o livro. Irónico, deliciou-se com a minoria dos casos imagináveis. Sobretudo, interessaram-no os casos em que actividade podia significar torpor e não eram tão poucos assim.

quarta-feira

O quê?



Num museu não há arte, apenas composição de objectos, disse o Sr. T.. Num livro restam as histórias que não se quis escrever, sobras num vento súbito que tudo arrasta. Um filme, uma música, uma civilização? Códices, máscaras, artefactos – com o tempo o que a arqueologia designa por cultura material. Moldes incompreensíveis do trabalho do espírito. A pista dos hominídeos, pegadas no tempo, nada mais.

Arte é sair do mundo, pesou o o Sr. T., e é difícil como lavrar a terra.

Arte não é necessariamente arte, mas outra coisa. Uma vez fora do mundo, os moldes do trabalho do espírito fazem sorrir.

terça-feira

A tia Berta



Naquele dia, 23 de Novembro, o Sr. T. olhou-se no espelho da casa de banho e não gostou da cara que viu. Nesse momento percebeu. Tinha de contratar uma agência de comunicação para tratar da sua boa imagem. E lembrou-se da tia Berta, que nunca usaria tal tipo de serviço.

segunda-feira

No jardim público




No jardim público, o homem deu um passo em frente.
- Não sabe o que perde, disse a senhora que tinha ficado para trás.
- Em direcção a quê? – ainda perguntou o homem, mas já prosseguia.

domingo

Eva



Há coisas que o romance policial nos ensina, pensou o macaquinho. Quando tudo aponta conspícua e insistentemente para um mesmo suspeito, raramente é aí que está o culpado.

O chapéu



Um dia, o Sr. T. pôs o chapéu e não estava. Como o espelho o confirmasse, o Sr. T. optou por regressar à cama. Assim acordasse, estaria, pensou.
Mas quando acordou, alguns dias depois, e pôs o chapéu, não precisou de chegar ao espelho para perceber que continuava a não estar. Nesse dia, o Sr. T. resolveu de vez deixar de usar chapéu. Surpresa a sua, reapareceu.
Desde então o Sr. T. passou a ser visto sem o seu característico chapéu e um chapéu insólito desatou a aparecer nos lugares mais inesperados.