pequenas histórias de um pequeno símio que nasceu sem querer e que sem que também o queira irá um dia morrer
segunda-feira
Sair para comprar tabaco e trazer consigo um coelho a mais...
Chove. António, de samarra escura bem apertada submete-se ao manto de chuva o mais dobrado sobre si que pode, como um gato preto. O café, a meros seiscentos metros, é a demasiada chuva de distância. E, no entanto, nem o mar vermelho o travaria. O meio do dia ainda não soou e ele já está sem tabaco há quase uma hora.
Acabara a samarra do António de tomar aquela difícil forma de quasi-esquadro-quasi-rompendo-as-bátegas quando todo aquele trabalho era interrompido por uma voz, à direita sob um alpendre, que o obrigara a pôr o nariz de fora e, acompanhando o nariz, um par de olhos semicerrados.
- Bom dia – disse o coelho.
- Bom dia – disse o António, e persistiu tentando rasgar, tesourada a tesourada, aquele imenso manto de chuva. De repente estancou, olhou para traz e disse: - … como quem diz!, e continuou.
O Coelho sorriu e repetiu, ‘como quem diz!’.
Mas o António já voltara à carapaça.‘Um bom dia’, foi repetindo o António, e depois, ‘como quem diz’. Como quem diz o quê?, perguntou-se o António. Como quem diz bom dia, naturalmente, quando, naturalmente, não está um bom dia.
Como quem fala por falar. Em suma, como quem fala. Como quem diz alguma coisa em vez de passar calado. A tagarelice num sentido bem antropóide - concluiu o António- era o princípio da cortesia.
-Bom dia, Coelho – disse, já de regresso, o António, agora em pose mais retesada do que a anteriormente ensaiada, decididamente mais aerodinâmica.
- Como quem diz! – sorriu o Coelho e repetiu: - Como quem diz!
Falar é uma relação de cortesia que temos com o mundo, sem que daqui se possa de modo algum inferir qualquer eventual cortesia do mundo para com o antropóide- pensou o António. E no entanto, aquele fora certamente um coelho cortês.
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