Era a voz da número três, a mãe mãe, mãe de ofício alargado que cuidava filharia, qualquer coisa que com menos de catorze anos revolvesse no pátio do recreio. O Monhé cuspia-lhe as ordens e os afagos, mas ela era o eco que o queria imaculado, tirado o rabo do saibro, jamais na boca as pipocas do ranho.
- Olha que te sujas Alberto. - Tira a mão da boca, Alberto, queres ficar com a barriga a doer? - Anda Alberto, chega-te para aqui, para o meu pé, comporta-te, sê um homenzinho. Cheirava a medicamento e creme, a mãe mãe, à sua volta instalava-se um hálito húmido de claustro.
Súbito - Monhé ergueu muito os braços como se procurasse melhor ilustrar o acontecimento -, ouviu-se um assobio de ar, depois um estatelar, cabum, qualquer coisa que caía, talvez um cofre-forte como nos desenhos animados, um grande vaso de barro, a gelosia laxa da varanda, qualquer coisa. E ela, a mãe mãe, num piscar de olhos, ali reduzida a uma lâmina bizarra, pintalgada a vermelhos sujos, a cinzentos de massa encefálica, os dentes cerrados, como grades que protegessem o rosto da deformidade total. A número três, afiançava Monhé, fora literalmente alisada por uma varanda, sim uma varanda inteira que inclinara a pique. Espavoridos, os pássaros tinham levantado um voo tão agitado como eficaz, pondo-se razoavelmente ao fresco dos humanos assuntos.
Ainda mal terminava o Monhé a sua narração, já se ouvia, alteando, a voz da número três, a mãe mãe, tão espavorida para cá, como o voo dos pássaros para lá longe. Atrasara-se quatro minutos, foi quanto bastou. Monhé, absorvido, continuava a olhar o que restava da mãe mãe, as cuecas carregadas de saibro e raspava tranquilamente as pipocas na língua. Ao fundo, começara a ouvir as sirenes. Até que a mãe mãe o puxou por uma orelha, despertando-o para o eterno retorno das aulas, e à chapada lhe esvaziou o nariz de dedos.
Ao Sr. T., agora quase nos cinquenta, ainda o espantam as recordações, como a todos os velhos recentes. E entre todas a expressão inocente de Monhé sobre um fundo louco de sirenes.
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