O Sr. Nascimento era um funcionário de Secretaria, ausente de qualquer ligação à oposição de Esperança. Viera para Secretaria anos setenta, oriundo das colónias - um chapéu negro de abas largas e uns óculos escuros, monovolume, uma luzinha vermelha a ir e a vir, atrás de um guichet há trinta anos.
Zunzum, zunzum, a luz a luzir e a voltar, o chapéu negro de abas largas a cobrir o seu mutismo, a agilidade dos braços compridos e magros. Tanto quanto se sabia, o Sr. Nascimento viera das colónias de Secretaria e ingressara na função pública, ponto final.
De um dia para o outro, o Sr. Nascimento soube que tinha mudado a gerência de Secretaria quando ali foi chamado.
- Caro Sr. Nascimento, como sabe está em curso um processo de creditação global e todos os serviços estão a ser reavaliados.
Sim, ouvira dizer alguma coisa.
- Acontece, Sr. Nascimento que o senhor falha nos itens pontualidade e apresentação - e a luzinha a ir e a vir.
- Há também indícios suficientes para acreditar que roubou um roupão branco, nas Pousadas de Secretaria. Finalmente, terá prestado falsas declarações contaminando a impecabilidade do nosso registo. Sr. Nascimento, lamentamos informá-lo, mas está despedido.
O Nascimento não conseguia cerrar a boca, o queixo tombado à maça de Adão. Como é que sabiam do roupão? Ao lado daquela mísera culpa tudo o mais parecia irrisório e verdadeiro, mesmo se, por exemplo, não se recordava de prestar quaisquer falsas declarações e, para todos os colaterais, ali trabalhava há já trinta e cinco anos e tinha a folha limpa.
Só no dia seguinte, como o queixo regressasse a preensão maxilar, o Sr. Nascimento se apercebeu que nunca tinha roubado nenhum roupão branco, o que surripiara era claramente cor rosa salmão.
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