domingo

Valdemar


Quando Valdemar percebeu que não era um réptil, era tarde demais. O réptil era já todo o seu sistema linfático. Não havia como fugir. Os seus linfóides, linfonodos, ductos e tecidos linfáticos em geral haviam deixado de funcionar do modo a que se habituara. O seu sistema imunológico, tacteava, não era o mesmo. Os seus resguardos e atracções moviam-se numa estranha passadeira rolante na qual, mero expectante, não havia qualquer controle.
E no entanto, Valdemar percebera que não era um réptil. E ao assim aperceber-se fazia um raciocínio simples: se não era um réptil, mesmo quando era a imagem de um que o espelho lhe devolvia, outros como ele não teriam de ser exactamente répteis, ainda se permaneciam répteis no seu mutismo especular, como ele mesmo persistia. Quantos seremos, como reconhecermo-nos e outras tantas questões seriam a consequência e uma teoria do método.
Porém, olhando de novo o espelho onde um enorme crocodilo se espalhava sem cerimónias, Valdemar já não pergunta.
- Isto é esperança, e ter esperança é enganar-se duas vezes, diz Valdemar. E virando costas ao espelho trata de colocar o chapéu, franquear a porta e dirigir-se lenta e reptilianamente para o trabalho.

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