domingo

Compostagem II


O Sr. T. tinha uma arca onde guardava os problemas para que não conseguia divisar solução satisfatória. Uma vez na arca, os problemas mais recentes, como as camisolas dobradas, pesavam sobre os problemas mais antigos, arrumando-os mais para o fundo. É verdade que por vezes o Sr. T. tinha um problema que, fosse qual fosse a posição a que o pretendesse acomodar, simplesmente não comensurava com a arca. Não é menos verdade que com os anos o Sr. T. rendera-se à necessidade de se munir de mais uma arca, onde passara a guardar os problemas de carácter prático, separando os que lhe apareciam como de maior complexidade, inclusive em termos de uma adequada formulação, que se mantinham na primeira arca. Sobre as duas arcas uma mesma lei grave assegurava a bondade da solução.
Ao contrário do que acontecia com outros, o Sr. T. tinha para ele que quanto mais fundo, melhor se realizava a função de um problema, e era recorrendo a simples metáforas hortícolas que o Sr. T. respondia a quem lhe saísse a caminho. Por exemplo: 'Quanto mais fundo, mais anóxico o ambiente, menor o problema.' 'O que se decompõe não pode constituir problema'. ' Não é qualquer estação que revolve os mantos'. ' A quantidade de turfa faz a qualidade dos solos' e coisas assim.
Ora, sendo qualquer vida um conjunto de acções aproximando a desorganização irreversível, os problemas acumulavam-se como o pó e, periodicamente, o Sr. T. tratava de escavar o jardim em dois sítios diferentes, logo atulhando cada buraco com o conteúdo de uma arca. Para que os mantos mantivessem alguma integridade, o Sr. T desenhara as arcas com fundos móveis. Uma vez as valas atulhadas, atapetava tudo com um palmo aberto de terra e regava com água abundante. Para o efeito, o Sr. T. rasgara no jardim quatro talhões que delimitara com ardósias e seixos quebrados e moídos pela avidez do musgo. Deste modo, sempre que acautelava os problemas pelos talhões, uma arca por talhão, o Sr. T. enternecia-se na contemplação das mais peculiares soluções que, do cerúleo ao rubro, lhe povoavam os dois outros talhões. Essa visão, por um longo momento, absolvia-o.
Depois, porque muitos e renovados fossem os problemas, o Sr. T. recomeçava a encher as arcas.

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