quinta-feira

No fim


De há uns tempos para cá, não conseguia distinguir o chegar a casa da ida ao teatro, onde, esperava-se, a mesma peça desenrolar-se-ia e faria semanas. Maria fazia semanas e ele não era um dos entusiastas, para ser sincero, estava farto. Nenhuma daquelas proposições era nova; com variações, o diálogo repetia-se frequentemente de há uns anos para cá. Ele era capaz de prevê-lo ao pormenor, não apenas quem iria começá-lo, mas quando, em que tom se iniciaria e quem seria o primeiro a abandoná-lo. Na realidade, não era difícil. Se alguma coisa ele sabia, era quem sempre abandonava primeiro a conversa.
De nada lhe adiantava berrar, bater com a porta, sair de casa – era como se todo o ridículo da situação se abatesse sobre si. Não era a atitude a tomar – tinha dois filhos a vê-la berrar, bater com a porta, a sair de casa, e eles, debaixo dos braços, a ir com ela, a voltar com ela, circenses como modo de estar. Podia não o fazer, podia fazê-lo raramente – evitar o hábito a todo o custo. Ou então sair - sair de uma vez, um Verão, um Outono. Tomar as medidas grandes.
Que podia ele fazer? Reconhecia em Maria a capacidade de intumescer plateias. Por diversas vezes o que se perdia naqueles espectáculos pouco menos do que privados, assaltara-o. Em regra, a suinidade assistente era ele. Talvez por isso aquela vontade dos lugares públicos. Chegou a imaginar um restaurante afamado a aplaudi-la de pé, ela a agradecer, vénia para um lado, depois vénia para o outro e, entre uma e a outra…
- Porque é que não discutes comigo? Porque não tens argumentos, não tens argumentos e é tudo. Era tudo. Abater que argumentos? Onde estava o adversário? Ela sabia tão bem como ele que o que lhes estava a acontecer não era do domínio da lógica.
- De que estás à espera para mostrar que és homem? Ele? Porquê e em que sentido mostrá-lo? Sempre ouvira tudo o que ela tinha para dizer, já conhecia todas as acusações e as imprecações que traziam pela mão. Estava farto, mas ia exasperar-se por que carga de água, se até aí o não fizera? Levantou-se. Também ela caíra na mesma ratoeira que ele. Também ela se enamorara, também ela se casou do mesmo casamento. Também ela se cansa.
Era melhor para todos que ela não fosse tão fraca e tão forte como se mostrava? - Fazes-me falta no dia a dia, dizia. - Onde estás tu quando faço o que a minha mãe fazia? - Porque não falas comigo?
Ele olhou-a com um ar aborrecido, voltou-se, abriu a porta da casa de banho e cerrou-a devagar atrás dele. Por um momento, ainda a ouviu, como se o vozear abatesse contra as paredes, deslizasse por elas abaixo e se infiltrasse pelo soalho. Fixou os olhos no roupão dela, na escova de cabelo, na caixa das lentes; caiu-lhe uma lágrima. Onde ocorrera o erro fatídico? Amanhã saberia do apartamento. Quando tudo estivesse concluído iria deixá-la representar uma última vez.

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