João César adorava ovos frescos à luz da manhã.
Pacheco acendia o primeiro cigarro e punha a sinfonia 7 de Beethoven a emergir lentamente do leitor, enquanto fritava os ovos. Levantara-se com as galinhas. Bebera a meia de leite carregada de sempre. O Xanax. Acabara de fritar dois ovos. Agora passava os olhos no ecrã, os jornais, o mail - o ritual matutino. As sensações fortes que electrizavam o mundo, àquela hora, inseriam-no num balão à prova de quotidiano.
Pacheco fuma um finex pelo caminho que faz a pé, tem quarenta e cinco minutos. Bebe as duas primeiras cervejas no café, deste lado da avenida. Entra daqui a menos de trinta minutos. Trabalha do outro lado da avenida, quase em frente ao café. O mundo é belo ou insuportável. Lá para o meio da noite, muitas cervejas e alguns finexes depois, o Pacheco dormirá como um anjo ou como um porco, independentemente do dia.
Um dos ovos cai, estatelando-se no frio do branco da cozinha.
Nessa altura João César desperta. O Pacheco morrera, ainda não tinha quarenta, fazia mais de seis anos.
Ele era o que restava do Pacheco, pensou, um Pacheco vivo e com quarenta e sete anos. Afinal, não há inúmeras variações do tam-tam-tamtam. As cores que usamos são variações de poucos naipes e é estreito o nosso espectro de gosto. A sinfonia nº 7 de Beethoven emergiu lentamente do leitor e ele abriu uma segunda cerveja. Depois ficou a olhar para os ovos.
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