Alvarinho odiava a escabrosa visão que os seus pés constituíam. Eram pequenos, peludos, algo papudos e de dedos tortuosos, proeminentes como os dos macacos, terminando em longas e grossas unhas amarelas em forma de garra a maior parte, os dois maiores em espátula soerguida, aparentando a ocorrência de um qualquer choque de placas, e os mais pequenos ovalados e truncados como as gavinhas dos hamsters. Não era que Alvarinho se apreciasse mais do pescoço para baixo ou, pelo contrário, deste para cima, sobrando sempre o problemático par de pés. Não, na verdade Alvarinho tinha um grave problema de imagem, de cima a baixo e para os lados, mas isso seriam outras tantas histórias que não se pretende contar.
Premente, premente eram os pés, mas Alvarinho arranjara-se de uma solução. Muniu-se de grandes quantidades de doces, fritos, massa e arroz, postas de carne, batatas e cerveja e tratou de engordar o corpo. Quando sentado, deixou de ver os joelhos sentiu-se pesadamente feliz. De modo algum podia ver os pés sem o auxílio de um espelho de corpo inteiro, coisa de que entretanto se desfizera, aliás como de todos os outros, não pudesse cair em tentação. Alvarinho estava muito gordo mas muito feliz, é claro que tinha que manter certos cuidados, mas, finalmente, aquele atroz exemplo da fealdade do mundo saía da sua vista.
Na noite anterior ao que viria a acontecer, Alvarinho deitou-se ditoso e com sono verdadeiro, recusando o tranquilizante habitual. Claramente, andava satisfeito consigo próprio e o whiskey e o policial bastavam. Quando no dia seguinte acordou, tarde na manhã porque fosse um Domingo, Alvarinho teve o sobressalto. Diante de si, ao fundo da cama, erguiam-se duas imensas e grotescas colunas, na sua horrorosa majestosidade, parecendo amparar o tecto. O susto fora tão intenso que só num segundo momento Alvarinho distinguiu claramente os seus próprios pés, agora agigantados, ali, diante de si, os dedos acariciando o tecto com constrangimento. Durante alguns segundos não deu sinal de si, o olhar preso naquela monstruosidade que eram os seus pés, agora desmesurados.
Pecado de vaidade, pensou Alvarinho e, agarrando um alfinete de gola da mesinha de cabeceira, espetou-se violentamente. Fosse qual fosse a sua intenção, no mesmo instante, Alvarinho esvaíra-se como um balão em gordos eflúvios ventosos capazes de abalar os candeeiros e arrastar cadeiras e outro mobiliário mais próximo. Alguns segundos depois estava como antes. Novamente magro, novamente os olhos presos aos pequenos pés papudos, lanudos de dedos disformes, mas ainda assim aliviado.
Foi então que teve a radiosa ideia de calçar umas meias.
Desde então, apesar das dificuldades da mudança de par a que acabou por estoicamente se habituar, Alvarinho é um homem feliz.
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